Quando pensamos já saber o que vamos ouvir, simplesmente estamos indo rápido demais para ouvir realmente –

é aqui que entra em cena a meditação.

Por Mirabai Bush / julho de 2019

Muitas vezes pode parecer que a dor e o sofrimento estão nos chamando para entrar correndo e resolver as coisas, mas talvez estejam pedindo que primeiro mantenhamos silêncio suficiente para ouvir o que pode realmente ajudar, o que verdadeiramente pode chegar à causa desse sofrimento, o que não só o suprimirá agora, mas também evitará que retorne. Assim, antes de agir, é preciso ouvir. Quando ficamos suficientemente quietos e “apontamos os ouvidos”, abre-se o caminho e vislumbramos as possibilidades de ação.

Damos pouca atenção para aprender a ouvir, aprender a realmente escutar outra pessoa ou situação. Contudo, recorde os momentos com outras pessoas em que nossos corações estavam comprometidos e nos sentíamos contentes por estarmos juntos. Não estávamos escutando uns aos outros nesses momentos? Em tempos como esses, quando ouvimos e escutamos uns aos outros, sentimos a vida brotar de uma perspectiva compartilhada.

Por que sentimos falta de novas oportunidades

Cada situação, cada momento da vida é novidade. Nós e essa outra pessoa ou esse outro grupo nunca estivemos aqui antes. Claro que tivemos momentos parecidos, mas o presente momento é novo, mesmo que tenhamos executado cem vezes a mesma ação com a mesma pessoa antes. É claro que facilmente se pode pensar: “Bem, é exatamente como da última vez, então vou fazer como fiz da última vez”, e, nesse caso, não prestamos atenção ao novo momento. Porém, se fizermos isso, nossas vidas se tornarão repetições monótonas do que sempre já vínhamos fazendo e sentimos falta das possibilidades da surpresa, de soluções novas e mais criativas, do mistério.

Para que nossas vidas monótonas preservem o sabor da verdade viva, temos de escutar renovada e repetidamente. A interação humana comporta tanto a singularidade da cada ser quanto a unidade de ambos que transcende a separação. Quando nossas mentes trivializam esse processo sutil, dizendo “isso de novo” ou “nada além disso”, elas nos reduzem a autômatos, a objetos uns para os outros. Para que a ação seja compassiva, precisamos descartar a ideia do objeto, precisamos estar aqui juntos, fazendo exatamente o que precisa ser feito da maneira mais simples que pudermos. Precisamos escutar.

Como a escuta atenta leva à mudança real

Quando começamos a agir pela escuta, o resto decorre naturalmente. É claro que isso não é tão fácil – pois exige que renunciemos a ideias, juízos e desejos preconcebidos, de modo que se dê espaço para ouvir o que está sendo dito. O verdadeiro ouvir requer profundo respeito e curiosidade genuína em relação às situações, bem como disposição para simplesmente estar ali e compartilhar histórias. O ouvir abre o espaço, permite que ouçamos o que precisa ser feito naquele momento. Ele nos permite perceber quando é melhor não agir, o que às vezes é uma mensagem difícil de aceitar.

Há muitas pessoas e organizações ensinando técnicas de escuta ativa e de avaliação da escuta no processo de mudança. Um desses grupos é o Rural Southern Voice for Peace [Voz do Sul Rural pela Paz], que desenvolveu O Projeto Escutar [The Listening Project], um processo em que os membros de grupos de base vão de porta em porta ou a lugares de reunião familiar quando estão iniciando um projeto. Eles levantam “perguntas em aberto sem fazer julgamentos, mas de um modo desafiador que encoraja as pessoas a compartilhar seus pensamentos mais profundos” sobre a área de interesse do grupo.

Eles relatam que “coisas notáveis acontecem quando esse processo se desenrola: ativistas passam a simpatizar com quem antes era ‘oponente’, substituindo estereótipos negativos por compreensão e preocupação; barreiras são superadas quando os dois lados experimentam uma base comum e veem uns aos outros como seres humanos com esperanças e medos profundos. As pessoas que estão sendo sondadas se sentem afirmadas quando percebem que o interesse real dos ouvintes é saber suas opiniões; alguns começam a mudar de opinião enquanto exploram, muitas vezes pela primeira vez, seus sentimentos mais profundos sobre os problemas sociais”.

Escutar os outros claramente abre caminho para entender a situação em que se pode ajudar. Porém, escutar os outros exige calar algumas vozes que já existem dentro de nós. Quando isso acontece, há espaço não só para as vozes dos outros, mas também para a nossa voz mais genuína. Como disse Alice Walker: “Às vezes a voz interior pode ser bem assustadora. Você escuta e então você vai ‘fazer o quê?’. Eu não quero fazer isso! Mesmo assim, você tem de prestar atenção nela”.

Três maneiras de praticar a escuta atenta

  1. Comece escutando a você mesma/o. Precisamos tirar tempo para aquietar-nos e escutar a nós mesmo com atenção – não só em meio à ação, mas também quando estamos a sós, caminhando no bosque, fazendo chá, rezando na igreja, pescando no rio ou sentados em meditação.
  2. Tente uma prática de respiração. Uma simples meditação de respiração pode ser útil, porque nos reconduz a uma conexão básica com o mundo. Quando inspiramos e expiramos e gentilmente tomamos consciência da nossa respiração, experimentamos o mundo entrando em nós quando inspiramos e nós saindo para o mundo quando expiramos. Somos lembrados de modo fisicamente simples que não estamos separados do mundo, mas continuamente interagindo com ele na própria constituição do nosso ser.
  3. Dê atenção integral a outros. Precisamos escutar plenamente. Isso é a base de toda a ação compassiva. Essa escuta plena nos ajuda a ouvir quem está chamando e o que podemos fazer em resposta. Quando escutamos buscando a verdade de um momento, sabemos melhor o que fazer e o que não fazer, quando agir e quando não agir. Ouvimos que estamos todos juntos aqui e somos tudo o que temos.

Este artigo foi adaptado do livro Compassion in Action: Setting Out on the Path of Service [Compaixão em ação: tomando o rumo do serviço], de Ram Dass e Mirabai Bush.

Fonte: https://www.mindful.org/why-listening-is-the-most-radical-act/

“Este artigo foi publicado originalmente no Mindful.org, uma organização sem fins lucrativos dedicada a inspirar, orientar e conectar qualquer pessoa que queira explorar a atenção plena. Clique aqui para ver o artigo original.”

Site: http://www.mindful.org/

Tradução: Nélio Schneider

Contato por e-mail: nelios.nho@terra.com.br

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